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A Síndrome da Mulher de Potifar

Por Sidiney Breguêdo http://mibeadvoga.blogspot.com.br/
Recentemente a Rede Recor de Televisão apresentou o seriado José do Egito representado por Ângelo Paes leme que se viu cercado pela mulher de Potifar, importante figura do exército egípcio. Em alguns episódios a mulher cercou o jovem escravo com seus encantos sedutores de mulher bela e fogosa, no entanto, foi rejeitada. Devido a isso, impetrou terrível perseguição ao serviçal.
Aquele fato fez nascer no Direito Penal a Síndrome da Mulher de Potifar, importante figura jurídica, que trata da mulher que rejeitada faz denúncia apócrifa com a intenção de punir a pessoa que a rejeitou. A figura, com aspecto de história bíblica e viés de matéria para acordar acadêmico de Direito, é mais comum do que sonha nossa vã filosofia.
Esses dias, começamos a trabalhar em um caso onde um senhor de sessenta e um anos foi preso, acusado do crime previsto no art. 213 do Código Penal. A suposta vítima de estupro tinha apenas quinze anos de idade. Apesar do enorme espaço entre as idades de um e outro, nos dias atuais tudo é possível. Então, após o contato dos familiares, começamos os nossos trabalhos.
Em tais crimes, tido que são contra os costumes, se afigura difícil a produção de provas. Fato que fez o legislador deixar extremamente solta a forma de provar o alegado. Não precisa muito, apenas que a vítima compareça a delegacia e relate os fatos. Encaminhada ao IML para exame de corpo de delito, as lesões podem ser encontradas ou não. Todavia, se não forem localizadas lesões na genitália da vítima, ainda assim, o acusado prossegue sendo investigado. Isso quando não permanece preso.
Infelizmente, na maioria dos casos é muito difícil para o advogado contra argumentar a acusação da vítima. De forma que o causídico parte para ataca o processo, que não raro tem vícios suficientes para relaxar a prisão em flagrante ou revogar a preventiva, fazendo prevalecer a liberdade, como princípio natural inerente ao homem.
Por outro lado, apela-se para o bom senso do juiz que deve em maior monta utilizar-se de seu convencimento íntimo para verificar as inconsistências do depoimento da vítima. E isso se torna difícil, pois não existe qualquer parâmetro para o julgador escorar seus argumentos. Basta ver que os depoimentos dos policiais que prenderam o suposto agressor ou aqueles prestados por amigos e familiares da vítima, são tão obscuros quanto os sonhos no Valhala e nada dizem do fato em concreto. Assim, prevalece muitas vezes a injustiça, o casuísmo e a insegurança jurídica.
Com o advento da Lei 12.015/2009, que juntou na tipificação do art. 213 do Código Penal as condutas de estupro e atentado violento ao pudor, a Síndrome da Mulher de Potifar ganhou força, já que o crime de estupro passou a não exigir em todas as suas modalidades a conjunção carnal para se configurar. Evidentemente, que ambas as condutas, tanto a de estupro quanto a de atentado violento ao pudor, são condutas tratadas como crimes hediondos, nos termos da Lei 8.072/1990. Coisa que torna a situação do falso autor do delito extremamente delicada, fazendo com que o mesmo seja jogado no rol dos culpados sem direito ao devido processo legal. Isso assusta àqueles que lidam com processo todos os dias, pois as prisões cautelares devem ser exceção e não a regra. Basta ver que no caso analisado a prisão do suposto delinquente não se amarra a uma fundamentação clara. Não raro vemos fundamentações de prisões preventivas em que o juiz sequer cita uma frase dos fatos concretos do caso, fazendo acreditar que a decisão desceu apenas às searas do Direito.
Não devemos nos assustar com o comportamento humano, é bem possível, que um senhor de sessenta e um anos de idade ataque uma garota de apenas quinze. Todavia, a punição deve ser proporcional às provas colhidas, quando aplicada antecipadamente. E nem venha dizer que a prisão cautelar não é punição. Talvez não seja considerada punição nos cânones do Direito, mas o sofrimento impingido ao encarcerado é ataque imperdoável. A dor da família e dos amigos, que, talvez, nunca mais o verão da mesma forma, faz nascer no homem justo o rancor do facínora. Cabe ao Estado aplicar a Lei Penal, dando àqueles a quem é devida a reprimenda justa. Sob este viés, faltou no Código Penalreprimenda no título dos crimes contra os costumes relacionado à punição da mulher que se utiliza dos artifícios da Síndrome da Mulher de Potifar. Todavia, ele não faz isso, deixa ao operador do Direito a missão de vasculhar no Código a norma aplicada ao caso. Assim, os erros são frequentes na aplicação do crime de calúnia, previsto no art. 138 do Código Penal, tendo em vista que é crime caluniar alguém imputando-lhe falso crime. No entanto, não para por aí a conduta da mulher a qual nos referimos, já que ela também fez mover a máquina pública. Sua conduta é mais grave, na verdade, é crime contra a administração da justiça. Trata-se do crime de denunciação caluniosa, previsto, por sua vez, no art. 339 do Diploma citado.
Mesmo existindo o crime de denunciação caluniosa, ainda assim, não parece resguardado o cidadão que nada faz, nenhum crime comete, e é jogado numa cela podre com diversos marginais. A sociedade que ele conheceu antes do cárcere não será a mesma que encontrará após a prova da sua inocência. Até mesmo, porque, na esmagadora maioria dos casos, sequer é aberto processo contra a mulher que o denunciou.

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